domingo, 16 de março de 2008

Um intelectual em minha empresa

Por Daniella Lima*

Os especialistas que se dedicam à implantação da sustentabilidade enfrentam intensa e frustrante resistência por parte de profissionais, equipes e organizações. A frustração ao não verem palavras tornarem-se ações éticas chega a tal ponto que muitos falam que os princípios apontados pelo Triple Bottom Line são apenas “palavras ao vento” e que Sustentabilidade e Responsabilidade Social são apenas “efeito de real”.

Para o Professor Evandro Vieira Ouriques, que criou em 2005 a Gestão da Mente Sustentável: o Quarto Bottom Line, fruto de seu trabalho como pesquisador do CNPq, coordenador do Núcleo de Estudos de Comunicação e Consciência da ECO.UFRJ e consultor de organizações do porte por exemplo da DaimlerChrysler, ETHOS, Light, Millennium Project, Banco do Brasil, ABERJE e Vale, há solução:

“Só é possível atitude sustentável concreta quando o profissional (e a organização) torna-se senhor de seus próprios pensamentos, percepções e sentimentos, eliminando deles os estados mentais (idéias e emoções aprendidas no tempo da insustentabilidade) que, inconscientes, insistem em comandar a ação insustentável no mundo. Esta é a maneira segura de termos o que precisamos hoje: construirmos, com a força de nossa vontade instrumentada por uma metodologia transdisciplinar, testada e de ponta, uma Mente Sustentável”.

Veja a entrevista publicada na Revista da ABERJE:

Para ele, os estados mentais, a compaixão, a generosidade e uma mente sustentável são essenciais para uma boa comunicação empresarial. Poucos fazem idéia de como aplicar tudo isso? Pois então se prepare. Evandro Vieira Ouriques, consultor de Desenvolvimento Humano Sustentável e coordenador do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lança questões intrigantes para refletir.

O que são "estados mentais" e qual a relação deles com a eficiência em comunicação empresarial?

Estados mentais são pensamentos e afetos que informam a tomada de cada decisão. São fluxos de idéias, sentimentos e emoções que nos mobilizam a agir e legitimam a decisão que tomamos. Experimente olhar agora para alguma situação a sua volta. Observe que em sua “tela mental” vão aparecer pensamentos, julgamentos, sensações de agrado ou desagrado, vontade de tomar providências, ou algo em relação a essa proposta. Quase sempre os profissionais reagem de maneira impulsiva e mecânica com base nessa tela mental. E aí vão ser necessários recursos de toda ordem e, sobretudo, da área da comunicação, para re-trabalhar a situação.

Como se pode treinar para agir desse modo?

Criamos a metodologia Gestão da Mente Sustentável-GMS, o quarto bottom line, que torna operativos os outros três, na medida em que os faz reais graças à eficiência sistêmica do domínio dos estados mentais. Hoje, a liberdade, como mostrou Armand Mattelart, não pode mais ser apenas o exercício da vontade, mas precisa passar pelo domínio do processo de formação da vontade, para que esta seja uma vontade comprometida com a vida.

Como dominar a própria vontade?

A Mente Sustentável é a dimensão madura do compromisso com uma nova organização, pois permite que cada pessoa envolvida no processo de construção da responsabilidade empresarial e da sustentabilidade instale-se como um sujeito pró-ativo. Instale-se em si mesmo, volte a ter voz própria, por meio do exercício da responsabilidade pessoal sobre o fluxo de seus estados mentais, de maneira a eliminar dele, gradativamente, os pensamentos e afetos insustentáveis. E, assim, liderar pelo exemplo.

Cite formas de estimular, de forma prática, estados mentais que favoreçam uma comunicação interna mais efetiva.

A primeira delas é compreender quais os fundamentos do sistema de pensamento que geram insustentabilidade. A teoria social e o senso comum insistem em dizer que as práticas humanas no Estado e no Mercado são movidas apenas pelo sistema do interesse e pelo sistema do poder. Observe as seqüências mentais que tendem a atravessar você e sua equipe: “a vida é cruel”; “ser bom é ser bobo”; “isto não vai ficar assim, ele(a) vai ver”; eu não sou palmatória do mundo”; “confio desconfiando”; “porque é que eu vou ser diferente?”.

Mas as coisas não são assim mesmo no mercado?

Perceba o que move a sociabilidade primária, ou seja, na família, na amizade e na vizinhança. A relação entre os pais e os filhos, por exemplo, é movida pelo sistema da generosidade, no qual o que move a ação é a confiança, o amor, a entrega, a ação desinteressada. Esses são os estados mentais que permitem a cooperação, a compaixão, o diálogo verdadeiro. Valores sem os quais seria impossível a permanência juntos. Portanto, a auto-observação do fluxo dos estados mentais permite no dia-a-dia a progressiva substituição, em rede, do que motiva a ação no mundo. Percebendo, por exemplo, onde é que escondemos o que nos irrita nos outros e os prejuízos resultantes da imposição, da tentativa de convencer o outro para que ele faça o que se quer, o mais rapidamente possível. Parafraseando a carta de fundação da UNESCO, “é na mente que a insustentabilidade começa é na mente que a sustentabilidade é conquistada”.

De que forma esse conceito também pode influenciar no relacionamento da empresa com a mídia?

A mídia hoje se apresenta como sendo o próprio mundo. As pessoas sentem e pensam por meio da mídia que, muito raramente, as ajuda a parar e refletir. A aceleração que os apresentadores dos telejornais utilizam é incompatível com o ritmo respiratório, metabólico. A respiração fica suspensa e impede que as informações sejam metabolizadas e que a nossa mente tenha tempo de excretar o que não serve. Nesse ambiente, as pessoas tornaram-se o centro da exibição da potência da cultura tecnológica e não de sua própria potência. O sujeito tende intensamente a acreditar que é o que ele não é; que precisa do que não precisa; que a vida é o que ela não é; e que ele está fazendo uma determinada coisa quando, de fato, está fazendo o oposto. Isso fica muito claro na dissociação entre palavras e atos que marca muito as organizações.

Currículo na mesa

Entrevistado: Evandro Vieira Ouriques
Formação: Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e Pós-Doutor em Cultura de Comunicação, Globalização de Mercados e Responsabilidade Ética.
Trabalhos: Tem atuação internacional, inclusive junto à ONU e a UNESCO, para quem organizou o livro Diálogo entre as Civilizações: a experiência brasileira.
Clientes: Atende a organizações como ETHOS, ABNT-ISO 26000, LATEC.UFF, Tribunal de Justiça do Estado do RJ, DaimlerChrysler, Rebouças&Associados, Celpa, Light, Faber Castell e Companhia Vale do Rio Doce.

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*Daniella Lima é jornalista. Matéria publicada originalmente na Revista Comunicação Empresarial - número 65, Dezembro de 2007, publicação da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial-Aberje, páginas 32-34.
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(Mercado Ético)

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