Ricardo Voltolini
A Responsabilidade Social Empresarial é um guarda-chuva amplo debaixo do qual se abrigam diversos temas, o que explica tanto uma certa dificuldade em defini-la quanto o fato de que, fora do círculo de iniciados, muitos a tomam como sinônimo de uma de suas inúmeras partes.
Houve um tempo em que era confundida com filantropia.
Depois passou a ser fortemente associada à ética, transparência e governança corporativa. Com a sua evolução conceitual, começou a ser percebida por um conjunto de valores e práticas relacionadas com o respeito integral às diferentes partes interessadas de um negócio funcionários, clientes, fornecedores, acionistas, comunidades, governos e sociedade.
Por qualquer ângulo que se olhe a RSE, é certo que se poderá encontrar, sob sua cobertura, temas como preservação do meio ambiente, bem estar e qualidade de vida e estímulo ao consumo consciente. E embora essas sejam preocupações antigas para muitas de nossas empresas, anteriores até ao movimento de expansão do conceito de RSE, poucas corporações conseguiram ter suas imagens atreladas a elas na percepção do consumidor brasileiro. É isso o que revelam três recentes pesquisas. Em sua décima sétima edição, a pesquisa Top of Mind, da Folha de S. Paulo inaugurou, entre outras categorias, uma que distingue a marca mais lembrada pelas pessoas em preservação ambiental. O resultado não chega a ser exatamente uma surpresa, embora possa causar alguma estranheza.Ypê (5%) e Natura (3%) dividem o prêmio com uma ONG, o Greenpeace, e um órgão de governo, o Ibama. Surpreende, no entanto, um outro dado do estudo. Apesar do esforço que muitas companhias brasileiras têm feito para associar suas imagens a questões de meio ambiente, a grande maioria dos entrevistados (63%) não soube relacionar nenhuma marca com o tema. Ou as empresas estão falhando em sua comunicação da causa ambiental ou as pessoas não estão levando muito a sério este discurso. Também para a outra metade equilibrada qualidade de vida representa uma aspiração tão importante quanto já foi um dia sacrificar a vida pessoal para ganhar dinheiro. Segundo o estudo, a maioria delas não conseguiu relacionar espontaneamente o tema bem-estar com nenhuma marca de empresão Brasil.
Algo semelhante parece estar ocorrendo com as empresas de alimentos. Embora venham crescentemente dando maior ênfase à comunicação do valor nutritivo e dos
benefícios à saúde de seus produtos, os consumidores, segundo pesquisa da Giacometti
Propaganda e Arquitetura de Marca, não estão identificando essa preocupação.
Apenas 20% deles souberam mencionar nomes de companhias que, em sua visão, fabricam produtos saudáveis.
É claro que nenhum desses estudos, isoladamente, pode servir de elemento para conclusões definitivas. Reunidos, no entanto, oferecem indícios para refletir sobre o seguinte cenário: de um lado, há cada vez mais indivíduos, cidadãos e consumidores conscientes, interessados nos valores que estão por trás das questões de meio ambiente, qualidade de vida e produtos saudáveis; de outro, há cada dia mais empresas
interessadas em ser percebidas por suas práticas de sustentabilidade, mas que, ao que
tudo indica, não estão conseguindo êxito. Entre os dois pólos, abre-se um campo de
oportunidades. Aproveitá-las vai exigir das empresas menos propaganda com discurso de mão única e mais mudança de práticas efetivas, mais revisão de modelos de negócio, mais diálogo aberto e transparente, mais inovação em produtos sustentáveis e mais
comunicação de tudo isso com os stakeholders -sempre e não quando convém, com finalidade educativa para todos os públicos de interesse e não apenas para musculação do ego.
“A DECENT FACTORY ”
O artigo publicado na semana passada sobre “A Decent Factory” levou um grande número de pessoas a contatar o consulado da França para obter o DVD do filme. Como o consulado não tem os direitos autorais do filme e não pode reproduzi-lo
para a finalidade de venda, mas apenas emprestá-lo a interessados, procuramos a
assessoria da AMCE e de Planeta Sustentável, que o exibiram há três semanas, em
sessão fechada, dentro do seu projeto Sala de Cinema.
As duas organizações estudam a possibilidade de fazer uma nova sessão.
A Sala de Cinema é uma iniciativa cujo objetivo é estender o diálogo sobre sustentabilidade para um público cada vez maior, qualificando
o debate em torno de temas importantes.
Os interessados em conhecer melhor a iniciativa
devem acessar o e-mail saladecinema@amce.com.br.
Os interessados no empréstimo do filme devem se
cadastrar no site www.cinefrance.com.br e mandar um
e -m a i l p a r a a u d i o v i sual.sp@gmail.com.
* Diretor de redação da revista
Idéia Socioambiental e consultor
de Idéia Sustentável.
E-mail: ricardo@ideiasocioambiental.com.br
Pesquisas apontam que iniciativas das empresas ainda não são totalmente percebidas pelo consumidor brasileiro.
Observando a situação pela metade vazia do copo, tem-se um cenário desafiador de não valorização do tema como atributo diferencial de imagem.
Mas a metade cheia pode indicar, na verdade, a ausência de ícones nesse campo e, também, uma grande oportunidade para empresas que desejam ser percebidas
e valorizadas por seus compromissos socio ambientalmente responsáveis.
O mesmo raciocínio se aplica ao tema bem-estar. Sabe-se que esta é hoje uma demanda global. Cada vez mais indivíduos querem encontrar um ponto de equilíbrio entre vida familiar, vida profissional e interesses pessoais. Pesquisa da TNS InterScience em cinco países latinos mostra que metade das pessoas se dizem estressadas e sem energia. Para elas e porque tem a ver com qualidade.
Desde que o programa de sustentabilidade começou na empresa, reduzimos em 72% as
emissões gasosas, 68% do consumo de eletricidade e 95% do
consumo de água.
Como os clientes da Interface são informados da atitude sustentável da empresa e que
tipo de valor atribuem a isso?
CO — Nunca quisemos fazer publicidade de nossas convicções de sustentabilidade.
De 1995 até 2005, nenhuma propaganda da empresa tratou.
O muito que fizemos foi elaborar um relatório de ações ambientais. E isso porque fomos cobrados por algumas pessoas. Acreditamos que o marketing não pode projetar o que somos e pensamos.
Para nós, o marketing é apenas o alvoroço de uma tempestade.
Preferimos mobilizar pessoas que contem uma história. Não a história da Interface, mas a da sustentabilidade. E não na página cinco, mas na capa dos jornais.
Fomos capazes de disseminar a nossa história utilizando o poder da influência positiva,
sem ter de recorrer ao alvoroço do marketing. Ray Anderson, principal executivo da companhia, mentor desse movimento verde, nunca admitiu que usássemos propaganda. Utilizamos essa ferramenta há pouco tempo coisas certas sem perder competitividade
requer capacidade de inovação. A nossa experiência mostra que quando a empresa
sabe comunicar as idéias certas ela atrai as pessoas certas, compromissadas com as
novas idéias, e, portanto, fica mais preparada para tomar a iniciativa em direção da sustentabilidade.
O talento dessas pessoas ajuda a empresa a construir as soluções que a tornarão
sustentável.
Que avaliação a empresa fez de seus impactos no meio
ambiente?
CO — O quadro era preocupante.
Primeiro, estávamos perdendo muita água em nossos processos de produção. Segundo,
o uso de produtos químicos tóxicos para tingir os carpetes deixava resíduos nocivos
na água. Estávamos usando náilon e pvc. E o resultado do desperdício ia inteiramente para aterros sanitários. Carpete, como se sabe, não é um produto biodegradável. Além disso, utilizávamos uma quantidade absurda de energia para produzir o nosso material, esgotando recursos que não podem se renovar, como gás ou petróleo. A análise dessa situação nos levou a refletir sobre o fato de que tanta energia poderia ser aplicada a coisas mais úteis e deveria ser preservada para uso das próximas gerações. Era necessário, portanto, reduzir urgentemente a quantidade de energia. Mas como? Reduzindo os produtos químicos e os materiais sólidos do nosso processo de produção. Foi o que fizemos. Mas ainda faltavam as emissões de gases.
Seguindo um procedimento nosso, passamos a analisar as diferentes formas de poluir com base no desperdício financeiro gerado por elas. E o desperdício é um bom indicador.
A InterfaceFLOR, fabricante de carpetes que, em 2006, faturou US$ 1 bilhão é considerada precursora em sustentabilidade empresarial nos Estados Unidos.
Fundada em 1973, a companhia sofreu uma mudança radical no seu modelo de negócio
em 1991. Inspirado pela leitura de um livro - “A Ecologia do Comércio”, de Paul Hawken - o dono e principal executivo da empresa, Ray Anderson, iniciou uma profunda revisão nos processos visando, sobretudo, reduzir desperdícios, economizar
recursos e reaproveitar os carpetes usados como matéria-prima.
Entre outras medidas, à época tidas como ousadas, Anderson criou o Life Cicle Assessment (Avaliação do Ciclo de Vida), um programa que se preocupa com a vida útil do produto, especialmente para onde ele vai depois de descartado pelo consumidor.
A meta é zerar os impactos negativos da companhia até 2020. No rumo de se tornar totalmente sustentável, planeja para os próximos anos um sistema de leasing de carpetes, pelo qual o cliente paga o direito de uso do produto por alguns anos, e ao final do período, a empresa retira o carpete, recicla e o substitui por outro.
Com 35 fábricas espalhadas em 150 países, a corporação ob-teve, na última década, uma economia de US$ 336 milhões com a redução do uso de água e energia. O índice de carpete reciclado na linha de produção saltou de 3% para 21% nos últimos cinco anos. Hoje, todo produto fabricado é 100% reciclável.
Entre 1994 e 2006, o lucro aumentou 82%, mesmo com a retração de mais de 30% no
mercado de carpetes norte-americano. “A sustentabilidade é como óculos. Assim como cada um usa lentes compatíveis com o seu problema de visão, cada empresa tem que pensar nos seus próprios processos e concluir qual a melhor forma de amenizar ou zerar os seus impactos no Planeta”, afirma Claude Ouimet, vice-presidente da empresa para o Canadá e América Latina. Na entrevista a seguir, concedida à revista Idéia Socioambiental, Ouimet fala como a empresa transformou suas estratégias de negócio, sobre “mindshare” e liderança socioambientalmente responsável.
Como vocês resolveram o problema da poluição causada pela companhia?
Claude Ouimet — Com paixão e consciência. Ao compreender as conseqüências dos
impactos gerados pela companhia e adquirir uma consciência de que se está poluindo o
ambiente e profanando a sociedade, não há como se sentir bem com o que se faz. Ninguém se sente bem fazendo o mal. Foi o que aconteceu conosco.
A partir desta reflexão, convencemo-nos de que tínhamos que fazer algo a respeito,
e então, começamos a enxergar os caminhos.
Há quem ainda diga que nossa decisão está correta, mas que é muito caro se tornar “verde”.
A essas pessoas respondo: “Você está tendo um pensamento velho, precisa confiar que se fizer a coisa certa, com propósito elevado, os clientes e a sociedade vão reconhecer suas atitudes e te ajudarão no que está tentando fazer.” Para que o produto não fique mais caro, o preço da condição socioambientalmente responsável não seja repassado ao cliente e a empresa mantenha-se competitiva, é preciso ser criativo. Fazer a Postura verde da companhia ajuda a estabelecer uma ligação emocional com os clientes e apenas para nos posicionar diante dos ataques que vínhamos recebendo. Algumas pessoas começaram a colocar em dúvida o que fazemos. Então, tivemos que deixar as coisas claras.
Sem usar propaganda, como as pessoas sabem sobre as práticas socioambientais da
InterfaceFLOR?
CO — Temos um princípio na companhia que pode se aplicar a este caso: quando se atinge as pessoas, invariavelmente recebe-se um retorno. Cada vez mais as pessoas estão preocupadas em basear suas decisões de compra em algo correto.
Querem se sentir bem sobre a sua decisão. É nisso que apostamos.
O consumidor que não compra nosso produto, no fundo vai se sentir um pouco constrangido, porque sabe que a nossa empresa reproduz todos os valores com os quais alguém de bem gosta de se identificar. Muitas pessoas compram na Interface por uma questão moral.
Claro que um belo design, boa relação de benefícios e soluções inteligentes valorizam
os nossos produtos. Mas nossos consumidores se identificam moralmente com a empresa.
Em nome dessa relação, trabalhamos sempre para inovar. Sustentabilidade é inovação.
A decisão de tornar-se sustentável gerou resultados financeiros concretos para a
empresa?
CO — Sim, sem dúvida. Entre 1995 e 2006, economizamos U$ 235 milhões.
Olhando apenas os lucros, hoje vende-mos mais carpetes, inovamos para reduzir os custos a patamares não alcançados pela concorrência e também cria-mos
um valor importante, que chamo de “Mindshare”. As pessoas compram da gente,
porque conseguimos dividir a nossa mente com os clientes, estabelecendo uma forte uma ligação emocional.
Pelo que o senhor conta, a implantação de uma culturade sustentabilidade na Interface só foi possível porque a empresa tinha em Ray Anderson um líder comprometido pessoalmente com o tema. Qual o perfil de um líder socioam-bientalmente responsável?
CO — Um líder responsável precisa entrar em contato com ele mesmo e descobrir os valores que o orientam e motivam.
Deve compreender claramente o seu papel no mundo. E saber que não se vive apenas para satisfazer o ego. Impulsionar a carreira, sedução do poder e do
dinheiro têm a ver com ego. O bom líder sustentável sabe que, acima do mercado estão
os valores. Sabe que a felicidade não advém necessariamente do acúmulo de capital e riquezas materiais. Nós, seres humanos, nos sentimos melhor com as nossas vidas quando os valores que nos regem são fundados na coletividade.
Como Ray Anderson conseguiu mobilizar os funcionários e os clientes em torno da
idéia de que a sustentabilidade faria bem aos negócios da InterfaceFLOR?
CO — Depois de ler um livro revelador, “A Ecologia do Comércio”, de Paul Hawken,
Ray fez uma auto-análise. Acreditando que vivia em no-me do ego, e reconhecendo-se
como um saqueador da natureza, ele percebeu o tipo de gente que, na verdade, ele queria ser.
Ray tinha a firme crença de que a mudança não só era possível como urgente e necessária. Por isso, olhou nos olhos de todo mundo e disse mais ou menos o seguinte: “Vocês me conhecem, estou mudando, já me sinto diferente do que era. Sou realmente o que eu vos digo.”
Essa revelação, dita com sinceridade, foi suficiente para nos inspirar. Claro que havia também o fato de que estávamos diante da verdade de um homem muito poderoso.
A escolha de um homem assim, que pode comprar o que quiser no mundo, tem uma força descomunal.
Para um executivo consagrado como Ray, dizer “não quero mais ganhar dinheiro dessa forma”, foi uma decisão relevante. Acho que todo mundo que tem o poder de dirigir
uma empresa deve se perguntar: “Quais as conseqüências de usar meu dinheiro para algo tão egoísta, um prazer pessoal que não muda para melhor a vida de ninguém?”
O que o senhor recomendaria a dirigentes de empresas que querem começar a tornar
a sua empresa sustentável?
CO — Diria para terem certeza de que estão inspirados, porque uma pessoa sem inspiração não pode inspirar ninguém a fazer mudanças. O primeiro ponto é acreditar que se está fazendo a coisa certa. E que é possível fazer bem o que é bom para a sociedade e o Planeta.
Se os funcionários acreditarem profundamente nisso, vão enxergar o que se precisa
fazer nos seus próprios cenários.
Até porque esse não é só o melhor caminho, mas o único. Veja o caso do aquecimento
global. Hoje nem o mais incrédulo dos indivíduos tem dúvida de que o clima está mudando e por interferência do homem. A ciência está tentando entender as graves consequências das mudanças climáticas para a humanidade.
Não há hoje ninguém que, diante do quadro, não tenha se feito perguntas como “Qual é a minha responsabilidade nisso?” ou “O que posso fazer para mudar?”
(Colaborou Caio Neumann)
GAZETA MERCANTIL
sábado, 1 de março de 2008
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