sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Uma luz sobre a remuneração sustentável











Criar metas de redução de CO2 e identificar o uso ou não de mão-de-obra infantil na cadeia produtiva são alguns dos exemplos de como é possível atrelar o futuro do planeta ao contracheque dos executivosGumae Carvalho
Alguns fantasmas do passado parecem rondar, de novo, o país. Recentemente, as discussões sobre um possível risco de apagão energético tomaram conta da imprensa, trazendo à tona a possibilidade de mais uma época de racionamento forçado. Para algumas empresas, caso isso aconteça, serão dias com nuvens negras, carregadas de dificuldades. Para outras, no entanto, o impacto não será tão agressivo, uma vez que saber usar racionalmente a energia elétrica e outros recursos naturais são ações que fazem parte do dia-a-dia dos seus funcionários e, também, da política de remuneração. Isso mesmo: algumas empresas, poucas é verdade, já atrelam parte do que pagam aos seus executivos a indicadores ambientais e sociais. É a remuneração sustentável. Claudemilson Vieira que o diga.
Ele é gerente-geral de uma unidade da rede de hotéis Ibis, do Grupo Accor, e, em 2007, teve de reduzir o consumo de energia elétrica em 5%. Pode parecer pouco, mas, quando se trata de um hotel com 236 apartamentos (capacidade para, em média, 350 pessoas por dia), além de restaurante, cozinha, dependências administrativas, lavanderia e garagem, é uma tarefa imensa.
Uma das saídas encontradas para chegar a esse resultado foi mandar trocar todas as lâmpadas por um modelo mais econômico, com maior luminosidade que o anterior e que, pode parecer brincadeira, também tira cheiro do ambiente - apesar de ser um hotel livre de tabaco. Foi um investimento de aproximadamente 10 mil reais que, de início, respondeu por uma redução de 2% no consumo.
E como faltavam ainda três pontos percentuais a serem conquistados, o restante do trabalho deveu-se à conscientização dos funcionários e hóspedes sobre a importância de economizar energia. Assim, foram afixados diversos avisos para que as luzes fossem apagadas ao sair do quarto, bem como fossem desligados os aparelhos de ar-condicionado. Outra medida foi questionar os clientes, no caso de permanecerem mais uma noite no hotel, se desejariam trocar a roupa de cama. Só o fato de não lavar esse enxoval desnecessariamente já significava uma boa economia de água e de energia. "Com essas ações, chegamos a 5,3% de redução, indo além do estipulado", comemora Vieira.
Essa meta fez parte do contrato de gestão do gerente e integra uma carta ambiental presente em todos os hotéis do grupo no mundo. Ela é composta por 15 itens, que se dividem em 65 tópicos no total. São compromissos que vão desde a conscientização de funcionários e clientes até a coleta de baterias e pilhas no hotel, passando, em alguns casos, pelo plantio de árvores. Cumpri-los conta pontos na avaliação e garante parte do bônus no fim do ano."Temos metas financeiras, de gestão de pessoas e ambientais. Cada uma com seu peso que pode variar em função do desempenho da unidade no ano anterior ou da estratégia da rede", conta Franck Pruvost, diretor de operações do Grupo Accor.

Na rede Ibis, as cobranças ambientais vão além da carta. "Há dois anos, ela recebeu a certificação ISO 14000, o que mudou um pouco as coisas. Ampliamos o escopo da questão ambiental", lembra Pruvost. Isso significa que, para Vieira garantir 20% de seu bônus, na auditoria anual referente à certificação, a meta é não ter nenhuma não-conformidade maior e até duas não-conformidades menores..

Pensar a longo prazo
Assim como a Accor, outras empresas como o Banco Real e a Amanco já atrelam indicadores ambientais à política de remuneração de seus executivos. Outras, como a paranaense Synteko e o Banco Itaú já estudam essa possibilidade. Trata-se dos primeiros passos no país de uma tendência capaz de mostrar se realmente o Triple Bottom Line (o equilíbrio dos resultados econômicos e ganhos para a sociedade e meio ambiente) saiu do papel e entrou na estratégia de uma organização.
Quando muito se fala em sustentabilidade, atrelá-la à remuneração é um caminho natural. A razão é simples e quem explica é Pedro Meloni, principal advisor do International Finance Corporation (IFC), braço do setor privado do Banco Mundial para a América Latina. Ele lembra que os pacotes de remuneração devem ser desenhados de forma a atrair, motivar e reter executivos talentosos. E deles devem fazer parte metas de desempenho da empresa a curto e longo prazos. "As de longo prazo não podem mais ser unicamente definidas em termos de indicadores financeiros tradicionais. É do interesse do acionista que os executivos estejam mais alinhados em relação à perenidade da empresa. É cada vez mais aceita a visão de que os fatores sociais, ambientais e de governança [SAG, parâmetros da sustentabilidade] têm impactos diretos e indiretos no desempenho a longo prazo da organização, qualquer que seja seu ramo de atuação", diz. E se não forem devidamente cuidados, esses fatores podem retirar valor da empresa e, portanto, reduzir seus retornos no futuro.
Algumas empresas pretendem dar um passo maior no que se refere à sustentabilidade, como a Basf. Embora não exista uma política única que atrele indicadores ambientais à remuneração, é possível perceber algumas iniciativas que vinculam parte do Programa de Participação nos Resultados (PPR) a algumas ações de conscientização ambiental. Mas a missão que a empresa alemã quer realizar na América do Sul pode servir de mapa para todas as demais no mundo: transformar a sustentabilidade em uma competência.
Trata-se, de acordo com Diego Delpiano, gerente de RH da Basf, de um desafio criado pelo Comitê de Sustentabilidade no ano passado. "Nossa tarefa, agora, é traduzir essa nova competência em comportamentos que vão evidenciá-la", conta. A partir da identificação desses aspectos e da consolidação dessa competência, será mais fácil cuidar da gestão de pessoas de forma atrelada à sustentabilidade: desde o processo de recrutamento e seleção à remuneração, passando por outras questões como desenvolvimento. Seria a gestão por competências sustentáveis. "Um dos quatro pilares da Basf é o desenvolvimento sustentável. Mas não é apenas a Basf que deve ser sustentável. Quem deve ser também é o colaborador, dentro e fora da empresa."
E por falar em conduta fora da empresa, Delpiano conta que, em 2007, a Basf organizou um treinamento de comportamento seguro nas unidades fabris. "A segurança dos colaboradores, na organização ou em casa, também faz parte da sustentabilidade", observa o gerente. A participação dos funcionários no curso e a avaliação posterior do que haviam apreendido serviram também de base na composição do PPR.
No ano passado, ainda, foi realizado um treinamento na divisão de tintas sobre redução da emissão de gás carbônico. Um terço dos funcionários participaram do programa e atuaram como agentes multiplicadores. No cálculo do PPR também foi levado em consideração o quanto eles aprenderam nesse curso e o quanto já aplicavam de conhecimento. Não deixa de ser uma forma de atrelar parte da remuneração à sustentabilidade.
Em outra iniciativa, a Basf organizou um levantamento nos países da América do Sul para avaliar qual seria o salário digno na região, capaz de atender às necessidades básicas de uma família, como habitação, alimentação, educação e lazer, por exemplo. O objetivo da empresa é, até o fim de 2008, posicionar-se e minimizar essa distorção em suas unidades. É a remuneração garantindo a sustentabilidade da família de funcionários.
Criar programas para reduzir a emissão de CO2, como o da Basf, oferecer capacitação de desenvolvimento ambiental e reduzir o consumo de insumos naturais são exemplos de ações que podem gerar indicadores para a política de remuneração, segundo Roberta Simonetti, coordenadora do Programa de Estudos de Sustentabilidade Empresarial da FGV e coor¬denadora executiva do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), carteira de ações da Bovespa da qual participam empresas que adotam práticas sustentáveis. "O índice tem um papel financeiro - é uma carteira -, mas também tem o papel de colocar o tema na agenda das empresas, uma vez que pode constituir um instrumento de gestão", diz Roberta.
Para ela, atrelar a remuneração à sustentabilidade é importante para incorporar o conceito, mas obviamente não é a única forma de isso acontecer. "'Para que vou ficar me esforçando para atingir esses indicadores se, no fim, vão avaliar se eu dei lucro ou não?' pode ser a pergunta de alguns executivos. Se a empresa estabelece metas sociais ou ambientais, por que não medi-las, valorizá-las e, sobretudo, premiá-las?", questiona. "Por isso é que deve existir esse alinhamento. Mas o que vemos nem sempre condiz com estratégia ou bom senso, como enaltecer e incentivar o trabalho em equipe, mas bonificar tão-somente por resultados individuais", destaca.
Para participar dessa carteira do ISE (que com pouco mais de dois anos de existência teve o quarto melhor desempenho entre os dez índices de ações da Bolsa de Valores de São Paulo, em 2007), a empresa deve estar numa lista das que possuem as 150 ações com maior liquidez. A partir daí, responde a um questionário com cerca de 160 perguntas, divididas em Dimensões, Critérios e Indicadores. O objetivo é avaliar a quantas anda o compromisso da organização com a sustentabilidade.
Exemplos de indicadores
Roberta conta que uma dessas questões se refere especificamente ao vínculo entre remuneração e aspectos sociais e ambientais. "A maioria, ainda e no entanto, atrela a indicadores econômico-financeiros", diz. Para as instituições financeiras, o questionário é diferente, com maior número de perguntas sobre esse vínculo, uma vez que essas organizações têm mais programas de remuneração variável.
Um dos desafios do ISE é aumentar, no questionário, o número de critérios de caráter social. Para as empresas que desejam encontrar indicadores dessa natureza, Roberta orienta a pensarem em diversidade: podem-se criar indicadores que avaliem e mensurem o acesso de minorias a cargos de gerência, a contratação de deficientes, bem como verificar a distância entre o maior e o menor salário na organização ou identificar na cadeia produtiva a existência ou não de trabalho infantil ou de mão-de-obra escrava.
Roberto Gonzalez, assessor para assuntos de sustentabilidade da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), também dá algumas dicas. Responder ao questionário do ISE é um exemplo. "A idéia, nesse caso, é ver quantas questões serão atendidas - se a empresa não participar da carteira. Se sim, vale a pena propor atender às questões que não foram respondidas."
Por ter regras vinculadas a aspectos sociais e ambientais, participar do Prêmio Nacional de Qualidade (PNQ) é outro indicador possível, além de buscar certificações como a ISO 14000 e a SA 8000. "Esses são os simples", provoca Gonzalez, que emenda outros um tanto mais complexos tais como analisar o perfil do cliente e de fornecedores (cadeia de valor). "Estabelecer parâmetros que possam estar atrelados à remuneração não é muito complicado, basta ter vontade", afirma.
Assim, falar da sustentabilidade na estratégia da empresa pressupõe um papel fundamental do Conselho de Administração. "Muitos acreditam que uma preocupação como essa deve partir da diretoria executiva. Vou além: deve vir do conselho. Se for do presidente, pode não dar certo - quando ele sai, quem entra em seu lugar pode não ter a mesma visão e as coisas ficam paradas ou acabam", explica Gonzalez. No entanto, ele lamenta que em alguns conselhos o tempo destinado para discutir essa questão é sempre pequeno e, geralmente, é o último item da lista.
Quem também concorda com o papel importante dos conselhos de administração na incorporação da sustentabilidade na estratégia é Carlos Lessa Brandão, coordenador do Centro de Pesquisa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Ele reforça a tese do longo prazo. Segundo ele, um dos papéis do conselho é prover a estratégia a curto e longo prazos. "A remuneração tem de ser justa", diz. E isso engloba estar atento ao que pode acontecer no futuro - já no presente.
"Costumo definir a palavra sustentabilidade como sobrevivência - sobrevivência dos recursos naturais, dos empreendimentos e da própria sociedade", afirma Fernando Almeida, presidente executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). Para ele, estamos diante de um dramático desafio, tanto do ponto de vista ambiental quanto social: é preciso gerar mais energia para incluir uma parcela gigantesca da população marginalizada no mercado e, ao mesmo tempo, reduzir os níveis de emissão de CO2 para evitar os efeitos avassaladores do aquecimento global. "A empresa que insistir em se manter com o foco única e exclusivamente nos investidores e acionistas, desprezando os demais stakeholders, dificilmente sobreviverá. A sustentabilidade é um conceito revolucionário, que exige rupturas com culturas e procedimentos tradicionais. Entre essas rupturas está a redefinição do lucro. Nessa equação, o 'S' de sustentabilidade deve ser incluído ao lado do 'L' de lucro

http://revistamelhor.uol.com.br/textos.asp?codigo=12254

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